quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Mais infância, menos quilos
por CÍNTIA MARCUCCI, FILHA DE MARIZA E EMILIANO 13 de março, 2007


Uma em cada dez crianças está acima do peso no mundo todo. Qual a causa dessa epidemia: o excesso de porcarias na alimentação ou a falta total de espaço para correr, brincar e, sim, queimar calorias? Cada vez mais, os médicos concluem que a resposta pode estar mais próxima da segunda alternativa

Há algo de amargo no sabor da infância. A obesidade infantil, que antes parecia exclusividade dos americanos e de sua cultura de junkie food, já atinge níveis preocupantes no Brasil, onde hoje cresce em velocidade maior que nos EUA. É para ficar preocupado. E atento.

Dados do IBGE, colhidos entre 2002 e 2003, apontam que o nível de sobrepeso e obesidade em meninos de 10 a 19 anos passou de 3,9% da população em 1975 para 18%. Entre as meninas, o salto foi de 7,5% para 15,4%.

Os pequenos – já não tão pequenos assim – comem cada vez mais e correm cada vez menos. Por causa da violência, da falta de espaço, por tudo isso que a gente sabe. Pesquisa realizada pela Ipsos Public Affairs para a marca OMO, da Unilever, que tem o incentivo à brincadeira como uma de suas bandeiras, mostra que, além do espaço, o tempo para brincar também está escasso. As crianças de classe C e D precisam ajudar os pais em casa. As de classe A e B têm uma agenda de miniexecutivos para cumprir.

Brincar de ver TV

É, os pais reconhecem que brincar é importante, mas parece ser da boca para fora. Não fazem muito para incentivar a prática: 97% respondem que a principal ′brincadeira′ das crianças é assistir TV ou ver DVDs em casa. Em segundo lugar, empatados em 81%, vêm desenhar e cantar ou ouvir música!!! Não é demais??? Ainda bem que muita gente anda de bicicleta, skate, patins etc. (79%), e joga bola (68%), mas as atividades que não exigem mexer o corpo ganham terreno.

Sabe qual a porcentagem de crianças que brinca no playground do prédio? Chuta. Só 3%! É isso mesmo. E em praças e parquinhos, então? Apenas 9%!!! Embora 56% ainda mencionem o quintal como espaço para aprontar, a escola aparece como um dos principais locais onde a farra é permitida, citada por 46%. Para 49%, lugar de brincar é quarto (provavelmente, muitas vezes, de ver TV...).

O resultado é o que vemos, senão ainda em casa, bem perto da gente: crianças com peso de adulto. E a coisa não é meramente estética, não. O controle da obesidade é fundamental para combater problemas de saúde que vêm junto com os quilos a mais: distúrbios de pele, ortopédicos, colesterol alto, hipertensão e diabetes tipo 2 são apenas alguns deles. Depois de adultos, já que uma criança obesa tem chances muito grandes de se tornar um adulto obeso, ainda há o aumento no risco de doenças cardiovasculares, diminuição da expectativa de vida e aumento de problemas respiratórios. Sem contar toda a carga psicológica. O remédio, a gente bem sabe, é prevenir, porque remediar é muito mais complicado.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma em cada dez crianças do mundo está acima do peso ideal. Para ter a dimensão do que isso significa, basta saber que hipertensão, colesterol alto e obesidade estão entre os dez principais fatores de risco para mortalidade.

Ao ver esses dados, é fácil se perguntar por que as crianças de antigamente comiam algodão- doce, churros, pipoca, mandiopã (aquele salgadinho frito em muuuuito óleo), tomavam groselha e, ainda assim, era bem mais raro ficarem gordas. A explicação está exatamente no sumiço da infância: pense se 20 anos atrás você ouvia falar em criança estressada?

É só fazer as contas para ver que a ansiedade dos pais para que o filho toque piano, seja bom de matemática e fale inglês, espanhol, francês e chinês – atrelada ao desaparecimento das brincadeiras de rua – gerou crianças cheias de responsabilidades e sem tempo para ser, simplesmente, crianças.

Esse fim da infância como a conhecíamos é o que faz com que nossos filhos sejam cada vez mais propensos a ter quilos além da conta. “No início da vida é preciso aumentar os níveis de atividade física, em especial as brincadeiras instintivas com outras crianças, pois isso quase não existe mais.

O nível de sedentarismo está aumentando muito com toda a evolução tecnológica”, explica o nutrólogo e pediatra Mauro Fisberg, pai de Yuri.

Claro que não precisa botar fogo no videogame, mas não dá para deixar que o filho passe horas e horas e horas na frente da telinha. Bom senso, como sempre, ajuda. E estar ligado no seu filho, coisa que você que está lendo tudo isso, com certeza está.

Pula, brinca, sem parar!

Recentemente a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), divulgou uma pesquisa feita com 10 mil jovens brasileiros entre 15 e 29 anos demonstrando que 57% deles não têm atividade física. Na cidade de São Paulo, um levantamento do Datafolha feito em 2004 mostrou que 40% não praticam qualquer esporte.

Mas fica um aviso: nem adianta sair correndo e matricular seu filho em mais um curso. “Mesmo que pratiquem balé, natação ou outra atividade física fora de casa, essas crianças voltam e já vão direto para a frente da tela da TV ou do videogame”, afirma a pediatra Lílian Zaboto, mãe de João Guilherme e João Antônio. É, não tem jeito. Não dá para criar aliens que nunca viram um desenho na vida, mas é preciso maneirar. Os especialistas recomendam no máximo uma hora e meia de TV por dia. Felizmente, nem sempre a televisão é a vilã da história. O seriado infantil Lazytown, exibido pelo Discovery Kids, conseguiu elevar em 22% o consumo de verduras e frutas em seu país natal, a Islândia. Idealizado por um professor de educação física, o programa tenta mostrar que é bacana se exercitar. O mais incrível é que funciona. “Já peguei minha filha de 5 anos brincando de fazer flexões”, conta Ana Lucia Costa, mãe de Marina.

A coordenadora do Instituto Movere, de São Paulo, Vera Lucia Barbosa, mãe de Ivo e Melissa, explica que, para as crianças de até 7 anos, a atividade deve ser sempre lúdica.

“Vale muito mais a pena que a criança brinque uma hora de pega-pega todos os dias do que fazer uma atividade da qual não gosta, duas vezes por semana em uma academia.” A entidade atende a população de baixa renda e faz um trabalho multidisciplinar.

Mesmo dentro de um apartamento pequeno dá para se virar. E trabalhar demais não é desculpa. Por mais que seus filhos fiquem com a avó ou babá, você pode orientar essas pessoas a incentivá-los a pular corda, elástico, dançar dentro de casa e subir os andares pela escada em vez de usar o elevador. A TV continua ligada apesar de suas determinações? “Uma vez aproveitei que o aparelho tinha quebrado e dei um sumiço nele por semanas. Minha filha passava então o dia no playground”, conta Ana Costa.

Mesmo incentivando seu filho a pular, não dá para deixar de lado um certo controle da alimentação, lógico. Dados do IBGE mostram que os hábitos dos brasileiros à mesa mudaram bastante. E para pior. O consumo de feijão diminuiu 35% entre 1974 e hoje, o de arroz caiu 45%, já o de refrigerante cresceu seis vezes e o de alimentos prontos triplicou!

A deterioração vai além do aumento do consumo de produtos do tipo biscoitos, salgadinhos e congelados industrializados. “Os horários também são problemáticos. Geralmente os pais trabalham fora e quem cuida prefere dar o que a criança gosta de comer para que ela aceite. O filho vai dormir tarde para conseguir ver o pai e a mãe, dorme pouco, pois precisa chegar muito cedo à escola e sai de casa sem tomar o café da manhã direito”, explica a nutricionista Martha Paschoa Amodio, mãe de João Pedro e Maria Clara, diretora da Comer e Aprender, empresa que realiza projetos de reeducação alimentar para escolas. E quem pula refeições tende a comer mais.

Martha explica que as crianças, mesmo as mais novas, têm condições de aprender a escolher os alimentos mais saudáveis e o que devem comer e que isso deve ser feito sem proibições. “Hoje elas querem informação sobre tudo e é muito mais fácil fazer com que comam verduras e legumes se souberem para que servem na sua alimentação.” E nada de considerar as redes de fast-food as vilãs da história. “Elas fazem parte da vida social das crianças. Só é preciso explicar que não se pode comer aquele tipo de alimento todos os dias”, completa.

Assim como não vale proibir os alimentos pouco saudáveis, também não é prometendo um bombom se seu filho comer salada que você vai ensiná-lo a se alimentar. “Castigo com alimento não funciona, só amplia a situação como uma bola de neve. A criança passa a odiar a verdura em vez de entender por que precisa comê-la”, explica o nutrólogo Mauro Fisberg.

Uma opção é fazer associações de forma menos direta, como ensina o psiquiatra Adriano Segal, pai de Ana Carolina e Ana Luísa, diretor da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica). “Nos dias sem a verdura, a sobremesa é menos atraente e quando ela está no prato é a favorita da criança. Pode-se criar um padrão de associação fazendo com que ′o dia da verdura′ seja aguardado.”

Não bastassem os efeitos na balança e na saúde, as crianças obesas ainda têm de lidar com o preconceito. “Estávamos de férias em um resort e algumas pessoas não paravam de olhar para a Giulia. Na volta para casa, ela contou à psicóloga que uma garotinha tinha falado que ela era muito gorda”, conta Cristiane Pinto, mãe de Giulia, 7 anos e 50 kg. É na família que a criança se espelha, por exemplo, para entender o que deve ou não comer e quais são seus limites.

“A criança deve saber o que está comendo, mas qualquer preocupação excessiva com a alimentação, se é diet ou light, se engorda ou não... é prejudicial. São idéias ou modismos de adultos, não um comportamento infantil”, completa a psicóloga infantil Flávia Escrivão, filha de Maria Arlete e Álvaro.

Por isso o tratamento da obesidade precisa ter também o acompanhamento psicológico e o envolvimento da família por inteiro. “Um sintoma não existe isoladamente. Ou seja, por trás de uma criança obesa, há um problema maior, que está, com certeza, relacionado ao sistema familiar. O terapeuta entende que cada pessoa dessa família tem a sua contribuição com essa obesidade. Portanto irá observar hábitos, horários, como é a relação da criança com a alimentação, quando isso começou, se houve algum acontecimento que pode ter desencadeado esse fato (o que muitas vezes não é percebido pela família). Entender o contexto é de extrema importância”, diz a psicóloga Débora Dvoskin, filha de Sônia e Marcos.

Doce culpa

A pediatra Lílian Zaboto, responsável pelo departamento de Obesidade Infantil da Abeso, lembra que é bastante comum pais que tentam suprir a falta de tempo e de afeto dedicado aos filhos trazendo guloseimas quando voltam do trabalho. “A criança passa a entender que a fonte de carinho é a comida e cria uma relação errada com a alimentação.”

É essa mesma culpa que faz com que os pais não consigam negar coisas aos filhos, já que a falta de tempo os faz negar a convivência. Uma agência de propaganda de São Paulo observou isso durante pesquisas sobre a aceitação de uma campanha de combate à obesidade infantil. “Tínhamos uma proposta que era várias palavras ′não′, num estilo mais suave ou mais duro. Os pais descartaram essa idéia por não querer assumir a responsabilidade de negar as coisas aos filhos”, conta o diretor de criação da Nova S/B, Valmir Leite, pai de Eduardo e Pedro.

Nem sempre as crianças perdem peso depois de melhorar a alimentação e sair do sedentarismo, mas os índices que mais importam são o de aumento de massa magra (músculos) e diminuição de massa gorda. Os quilos a mais são absorvidos pelo crescimento, o importante é não engordar mais.

Prova de que a brincadeira ajuda é o João Pedro, 7, filho de Ana Claudia Soares, que com seis meses de mudança de hábitos perdeu seis quilos. “Eu caminho todos os dias com a minha mãe, de manhã e de noite e adoro jogar futebol com meu pai”, diz o garoto, que diminuiu as três escumadeiras de arroz de cada refeição e aumentou a quantidade de alface e tomate. Hoje o menino tem 1,33 m de altura e 44 kg. Tem um longo caminho pela frente, mas, brincando a sério, ele chega lá.

10 ATITUDES
PARA EVITAR QUE O SEU FILHO (E VOCÊ) ENGORDE E FAZER COM QUE ELE COMA DE TUDO

1. Mastigar bem os alimentos.

2. Não comer diante da televisão, computador ou videogame.

3. Fazer as refeições em família.

4. Não pular refeições (café da manhã, lanche, almoço, lanche da tarde e jantar).

5. Deixá-lo ajudar no preparo dos alimentos.

6. Limitar televisão e computador a duas horas diárias.

7. Praticar atividade física, seja em aulas ou brincando em casa, no mínimo uma hora e meia por dia.

8. Não fazer da comida um prêmio nem uma punição por qualquer tipo de comportamento.

9. Não obrigá-lo a limpar o prato a todo custo. Fazer pratos menores ensinando colocar pouca quantidade e repetir se quiser.

10. Dar o exemplo: seu filho vai ter uma dieta saudável se você também tiver e só fará atividades físicas se você o estimular.

BRINCANDO DE SE MEXER
Os benefícios dos esportes podem ser conseguidos por brincadeiras simples e que ajudam seu filho a queimar as calorias diárias que ele precisa. Os números foram calculados para uma pessoa de 60 kg em 30 minutos de atividade.

Jogar futebol: 330 kcal

Correr / pega-pega: 310 kcal

Judô: 285 kcal

Nadar crawl: 255 kcal

Pular corda / elástico: 220 kcal

Dançar / ballet: 200 kcal

Andar de bicicleta: 126 kcal

Arrumar a cama: 66 kcal

Jogar videogame: 50 kcal

Digitar no computador: 48 kcal

Assistir TV: 41 kcal

Fatores de risco para obesidade infantil

- Interrupção do aleitamento materno precocemente (a recomendação é amamentar até 1 ano de idade)

- A mãe ter tido diabetes gestacional

- Ter pais obesos (pai obeso = 35% de chances de o filho ser obeso, mãe obesa = 50%, ambos = mais de 70%)

- Nascimento pré-maturo (os pais tendem a superalimentar o filho como forma de compensação)

- Ter tido privação anterior de alimentos (o organismo de quem já passou por situações de falta de alimento – fome e guerras - tende a armazenar tudo o que ingere depois em forma de gordura para novos períodos de privação)

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