sábado, 19 de dezembro de 2009

pele artificial

Pele recriadaModelo artificial testa eficácia de novos compostos para fármacos e cosméticosDinorah ErenoEdição Impressa 166 - Dezembro 2009
© Eduardo Cesar

Pele artificial feita a partir de material descartado em cirurgias plásticas
Uma pele artificial idêntica à humana, que reproduz os mesmos tecidos biológicos e pode ser utilizada para avaliar a toxicidade e a eficácia de novos compostos para fármacos e produtos cosméticos, foi desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Células retiradas de peles de doadores submetidos a cirurgias plásticas reparadoras são a matéria-prima utilizada para a construção da pele artificial em laboratório. “Desenvolvemos um modelo que mimetiza a pele humana com toda a sua estrutura de epiderme e da derme”, diz a professora Silvya Stuchi Maria-Engler, coordenadora da pesquisa.

A epiderme, a camada mais externa da pele, é obtida por meio da cultura de queratinócitos, células que realizam a síntese da queratina e respondem pela proteção, e dos melanócitos, células responsáveis pela produção de melanina e pigmentação da pele. A derme, a camada abaixo da epiderme, é reconstituída a partir da cultura de fibroblastos humanos – responsáveis pela produção de fibras e capazes de sintetizar o colágeno e a elastina – cultivados em gel de colágeno. Essas estruturas celulares possuem características de crescimento e morfologia muito similares à pele humana, o que aumenta a uniformidade e reprodutibilidade dos testes de medicamentos e de cosméticos.

“O nosso modelo pode sanar uma necessidade do mercado”, diz Silvya. No caso dos cosméticos, por exemplo, as empresas fabricantes enviam os princípios ativos de novos produtos para serem testados no exterior. Isso porque, desde o início de 2009, uma diretriz da Comunidade Europeia indica que nenhum produto cosmético poderá ser avaliado quanto à segurança e eficácia em animais de laboratório. Para substituição dos animais, os testes que garantem a segurança e eficácia de novos princípios ativos e formulações devem ser realizados em modelos in vitro, com células isoladas, ou preferencialmente em modelos biomiméticos, como o que simula a pele humana.

Novas moléculas - Além da indústria cosmética, a farmacêutica também poderá dispensar alguns testes em animais com o uso de sistemas biomiméticos de pele. Potenciais fármacos para tratamento de doenças como o melanoma, um tipo agressivo de câncer de pele, poderão ser testados com o modelo desenvolvido na USP. Embora tenha baixa incidência no Brasil, a doença apresenta elevada taxa de letalidade. Nos estágios iniciais as chances de cura são altas, mas quando descoberto tardiamente, por ser um tipo de tumor bastante resistente aos quimioterápicos usados no tratamento, a sobrevida dos pacientes é baixa. “Nossos estudos estão voltados para a busca de novas moléculas que ataquem essa célula tumoral, tentando subverter os efeitos de resistência ao medicamento”, diz Silvya.

Na Europa e nos Estados Unidos existem alguns modelos de pele artificial à venda, produzidos pelas empresas Episkin e SkinEthic, subsidiárias da francesa L’Oréal, e pela MatTek, do estado de Massachusetts. Mas há dificuldades de transporte e importação, porque é um material vivo e, portanto, perecível. “A pele que desenvolvemos é idêntica à produzida no exterior”, diz Silvya. O modelo desenvolvido na USP emprega células humanas provenientes de culturas primárias, cujo poder proliferativo contribui para a diferenciação das camadas da epiderme in vitro. Isso vai permitir a produção de kits sob encomenda, de acordo com a necessidade do cliente, pois é possível reproduzir a pele integralmente ou somente a derme ou a epiderme.
Os produtos encontrados no mercado internacional empregam linhagens celulares estabelecidas. Embora sejam de manipulação mais fácil e não dependam de doadores, como passaram por alguns processos de transformação elas não se diferenciam em múltiplas camadas, como as células primárias. “No nosso produto, as transformações são minimizadas pelo curto tempo de cultivo no laboratório”, diz Silvya. Nos kits sob encomenda podem ser incluídos, por exemplo, melanócitos, células que em geral estão ausentes dos produtos que estão no mercado. Se o objetivo for avaliar os efeitos de novas moléculas destinadas à pigmentação da pele, melanócitos que refletem as diferentes etnias poderão ser incorporados à cultura celular para produzir a pele artificial pigmentada. Na avaliação de quimioterápicos antimelanoma, a pele poderá ser produzida com o melanoma, simulando, in vitro, o processo de invasão tumoral.

Uma das possibilidades futuras para a pele artificial desenvolvida na USP é utilizá-la em cirurgias reparadoras para pacientes queimados ou com lesões crônicas, uma tendência que tem crescido em outros países. Nos Estados Unidos, um grupo de pesquisadores liderados pelo professor James McGuire, da Universidade Temple, na cidade de Filadélfia, tem utilizado com sucesso a pele artificial para tratamento de feridas crônicas em pacientes diabéticos. Na Nova Zelândia, a tendência é incorporar substâncias como mel e partículas de prata, que apresentam, respectivamente, propriedades antissépticas e antibacterianas aos enxertos feitos a partir do colágeno.

A pesquisa que resultou na pele artificial foi iniciada em 2005, quando a professora Sílvia Berlanga de Moraes Barros, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, testava compostos com atividade protetora contra os raios ultravioleta do tipo UVB, os mais lesivos para a pele. Silvya Stuchi, na época recém-contratada como professora associada da FCF, já havia enveredado desde o seu mestrado por um caminho que lhe forneceu o conhecimento e os instrumentos necessários para desenvolver um modelo de pele artificial. “O resultado da minha tese foi uma estrutura muito semelhante à derme, que tinha como base o colágeno de tendão de camundongos”, diz a pesquisadora.

Depois de concluir o mestrado e o doutorado na Unicamp, Silvya foi para os Estados Unidos fazer o pós-­-doutorado com bolsa da FAPESP. Lá ficou por pouco tempo, o suficiente para aprender a fazer vasos sanguí­neos artificiais. Ao regressar, participou do grupo da pesquisadora Mari Cleide Sogayar, do Instituto de Química da USP, que trabalha em um projeto de transplante de células para pacientes diabéticos. Dois anos depois, passou no concurso da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Como já sabia fazer a derme, ela propôs à professora Sílvia Berlanga testar os compostos para proteção solar inicialmente nesse modelo. “Depois tentaria reorganizar o epitélio, um tecido coeso, estratificado, formado por várias camadas de queratinócitos, e em seguida seriam adicionados os melanócitos, reproduzindo a unidade dermo-epidérmica e assim teríamos a pele”, relata. A grande dificuldade para transpor essa etapa era conseguir dois tipos de células humanas específicas, os melanócitos e os queratinócitos. “Só tínhamos os fibroblastos, que podem ser compra© Nívea Oliveira/USP

Placa de cultura de modelo biomimético
A oportunidade surgiu com um convite para passar um ano no Departamento de Dermatologia da Universi­dade de Michigan, nos Estados Unidos, para trabalhar com medicamentos antitumorais para a pele, uma linha de pesquisa que já vinha desenvolvendo. “Fui trabalhar com a professora espanhola María Soengas, que hoje é uma das líderes acadêmicas nessa área”, diz Silvya. Na época, María Soen­gas, que atualmente chefia o grupo de melanoma do Centro Nacional de Investigações Oncológicas (CNIO) da Espanha, fez uma parceria com a universidade norte-americana para desenvolver pesquisas com esse tipo de tumor. Recentemente, o grupo da pesquisadora espanhola identificou um composto sintético capaz de desenca­dear a autodestruição em massa de células de melanoma, o que abre as portas para fabricação de novos medicamentos.

Modelo brasileiro - Durante o período que passou em Michigan, Silvya aprendeu a isolar e a produzir uma cultura de queratinócitos e melacinócitos de pacientes humanos a partir da pele de prepúcio de recém-nascidos. “É um material com capacidade proliferativa muito grande”, relata. E foi além no seu objetivo. Ela propôs à pesquisadora María Soengas reproduzir a pele artificial seguindo o modelo brasileiro, desenvolvido com base em um projeto feito em parceria com os pesquisadores Luisa Lina Villa e Enrique Boccardo, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em São Paulo. “O nosso objetivo inicial era estudar novos fármacos em melanoma, mas percebemos que a indústria cosmética brasileira precisava da pele que desenvolvemos para testar novos princípios ativos”, diz Silvya.

Na linha de pesquisa de novos fármacos, o grupo da professora Sílvia Berlanga já testou na pele artificial uma nova molécula isolada de uma planta da flora brasileira com potencial quimioterápico. “No lugar do melanócito é colocado o melanoma”, explica Silvya. “Com a aplicação da nova molécula foi observada uma regressão do melanoma in vitro.” Os dados, que estão sendo preparados para a publicação, constam da tese da doutoranda Carla Brohem.

Algumas empresas já procuraram o grupo de pesquisa da USP para estabelecer parcerias, mas até o momento nenhum acordo foi formalizado. “Estamos preparados para fazer testes com a pele artificial, mas não de forma sistemática nem em escala industrial.” Para isso, o modelo precisa ser validado de acordo com os padrões internacionais. Até agora, o grupo de pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas recriou a pele artificial com células provenientes do banco da Universidade de Michigan. Para suprir a demanda futura, foi estabelecida uma parceria com o Hospital Universitário da USP. “Quando for aprovada pelo comitê de ética, já que se trata de patrimônio genético humano, vamos receber a pele descartada em cirurgias plásticas reparadoras”, diz a pesquisadora.

sexo en baixa????

No corre-corre da vida urbana, o estresse vem de carona. Entre trabalho, trânsito, família, tarefas domésticas e lazer, os afazeres se sucedem e as horas de sono que o corpo pede com insistência são um luxo cada vez mais raro. Não é só o físico que resiste mal à tensão e à falta de repouso. A motivação e o desempenho sexuais também são vítimas, segundo estudos recentes. Além de sabotar uma atividade prazerosa e vital, reduzindo o desejo e causando impotência, o estresse pode também provocar infertilidade feminina e, portanto, a dificuldade de muitos casais terem filhos. “O sexo é essencial à preservação da espécie”, resume a biomédica especialista em sono Monica Andersen, do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para justificar seu interesse científico no assunto.

De manhã cedo, quando vai à Unifesp nos finais de semana, Monica passa por jovens saindo dos bares no bairro paulistano Vila Mariana. Não pode deixar de pensar nos possíveis efeitos de trocar o dia pela noite com frequência nos dias de folga. Noites de pouco sono – a forma de estresse mais comum que a vida urbana moderna impõe ao organismo – afetam a memória, reduzem a capacidade de manter a atenção, causam hipertensão e atiçam a fome e a necessidade específica de ingerir comidas calóricas, que levam ao aumento indevido de peso, entre outras consequências indesejadas. Nos últimos meses o grupo da Unifesp liderado por Sergio Tufik, médico e diretor do Instituto do Sono, um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP, vem mostrando uma consequência da privação de sono talvez mais preocupante, para os homens, do que os males que põem a vida em risco: dormir mal pode causar impotência.

O resultado emergiu do levantamento epidemiológico Episono, que analisou a qualidade do sono de mais de mil habitantes da cidade de São Paulo com idades entre 20 anos e 80 anos. Realizado no Instituto do Sono, esse estudo já havia revelado que um terço das mulheres que vivem em São Paulo tem insônia e um terço dos paulistanos sofre de apneia do sono, interrupções na respiração que provocam o despertar momentâneo (ver Pesquisa FAPESP nº 158). Agora põe às claras os danos que a privação de sono causa à saúde sexual.

Durante o Episono, Monica fez a 467 homens uma série de perguntas sobre seu desempenho e desejo se­xuais. Uma das questões em especial definia se o homem sofria de disfunção erétil: “Como você descreveria sua capacidade de ter e manter uma ereção adequada para um intercurso satisfatório?” Para a surpresa da pesquisadora, 17% deles responderam que “às vezes” ou “nunca” conseguiam. Essa taxa, que já é muito alta, sobe ainda mais depois dos 50 anos, quando 63% dos homens passam a reclamar de disfunção erétil, como detalha a equipe da Unifesp em artigo em processo de publicação na Sleep Medicine. Dos 20 aos 29 anos de idade, o problema é menos comum: 7% dos jovens se queixam do próprio desempenho sexual – mesmo assim, uma proporção completamente inesperada para essa faixa etária.

A idade é o principal fator de risco para a disfunção erétil – depois dos 40, o risco aumenta. Ao avaliar a saúde e os questionários junto com resultados de polissonografias, o exame mais completo para avaliar a qualidade do sono, Monica constatou que as noites maldormidas também são um verdadeiro atentado contra as ereções. O que ela demonstrou agora valer para os homens já havia sido observado anos atrás entre camundongos pelo pesquisador norte-americano David Gozal, da Universidade de Chicago, um dos maiores especialistas mundiais da área, que esteve em São Paulo em novembro para o 3o Congresso Internacional de Medicina do Sono.

O efeito prejudicial da privação de sono sobre a ereção nem deveria ser tão surpreendente assim. Afinal, o bom funcionamento do pênis depende de um sistema circulatório eficiente, o que está longe de caracterizar as pessoas que têm distúrbios de sono. Em busca de marcadores genéticos ligados à propensão a desenvolver problemas eréteis, a equipe da Unifesp corroborou a complexidade que caracteriza a fisiologia da ereção. Segundo artigo que deve ser publicado em breve no Journal of Sexual Medicine, a revista mais renomada dessa área de pesquisa, a disfunção erétil aparece associada a diabetes, hipertensão, severidade de apneia do sono, idade e índice de massa corporal (a principal medida de obesidade). Todos esses problemas de saúde também estão de algum modo relacionados aos distúrbios do sono, o que torna difícil dissociá-los. O grupo pesquisou variações na sequên­cia genética responsável por produzir a óxido nítrico sintase endotelial (eNOS), enzima responsável pela produção do óxido nítrico, um neurotransmissor com função crucial na ereção. Esse gene parecia um bom candidato para ajudar a prever os riscos de disfunção erétil, mas pelo visto não é. Ao menos na população paulistana e na alemã. “Talvez porque essas populações tenham mais tendência à obesidade”, especula Monica. Fatores de risco como o excesso de peso poderiam mascarar a associação entre alterações no gene e impotência, detectada por estudos feitos no México, em Taiwan e na Turquia. Diante desse resultado, a especialista em sono e sexo não desistiu e já encontrou outro gene promissor a indicar os riscos de disfunção erétil, que relata em artigo ainda não publicado.
A base para entender o que acontece em seres humanos vem de um extenso corpo de pesquisa com ratos. Apoiados sobre ilhotas com água em volta, os ratos cochilavam durante os experimentos, mas eram privados de sono REM, a fase em que ocorrem os sonhos. É que nessa fase o cérebro desativa os músculos, fazendo os ratos encostarem o focinho na água e acordar, como uma pessoa que dorme no ônibus e apoia a cabeça no ombro do vizinho desconhecido. O efeito é parecido: um sobressalto que interrompe o sono REM. “Depois de quatro dias de privação de sono”, conta a pesquisadora, “metade dos ratos tem ereção sozinhos na gaiola”. Os vídeos do experimento não deixam dúvida. Os ratos têm ereções, se masturbam e até ejaculam. “A falta de sono desencadeia algo que aumenta a motivação sexual”, conta Monica. Pelo menos parte da explicação para esse efeito – chamado pelos pesquisadores de hipersexualidade (ver Pesquisa FAPESP nº110) – está nos hormônios. O teor de testosterona, hormônio em geral associado à masculinidade, cai vertiginosamente nos ratos privados de sono. E a concentração de progesterona, outro hormônio sexual, fica cinco vezes mais alta, de acordo com Monica.

O resultado parece contradizer os problemas eréteis observados nos homens com distúrbios de sono. Monica, porém, lembra que a ereção e a ejaculação são reflexos, mas o sexo é muito mais do que isso. Ela mostrou que quando entra em cena uma fêmea receptiva, os machos impedidos de dormir têm mais dificuldade em ter um desempenho adequado. Em um artigo publicado este ano na Behavioural Brain Research, Tathiana Alvarenga, da equipe de Monica, mostra que ele cerca a fêmea e faz várias tentativas de comportamento de monta, como é normal. Mas precisa ensaiar muito mais vezes do que os ratos descansados. O problema envolve tanto a penetração como a ejaculação, que se tornam muito mais difíceis. E preocupa porque a privação de sono não afeta só os jovens que passam a noite na balada. “Antes as pessoas dormiam com as galinhas, hoje passam as noites na internet”, compara Monica.

Agora o trabalho ocupa boa parte do tempo e, quando não se abre mão de lazer, família e vida social, quem fica no abandono é o travesseiro. As mulheres, que tendem a acumular, além da profissão, as funções de mãe e de administradora da casa, também podem estar em risco e muitas vezes não conseguem dormir à noite organizando a agenda ou revisitando os acontecidos do dia. Embora a equipe de Monica ainda não saiba que danos a insônia causa na fertilidade, algumas pistas já aparecem em estudos com ratas, consideradas um bom modelo para entender o sistema reprodutivo feminino humano por ter um funcionamento neurológico e hormonal muito semelhante – a principal diferença é que o ciclo das ratas dura cinco dias, em vez dos 28 humanos –, como mostra artigo que será publicado em breve no Journal of Sexual Medicine. O grupo da Unifesp privou ratas de sono REM por quatro dias em diferentes fases do ciclo hormonal. Quando a privação termina na fase do ciclo hormonal em que elas estão receptivas e, depois de descansadas, encontram um macho, a falta de sono as torna ainda mais receptivas ao ato sexual. Elas correm pela gaiola, dão pulos verticais, suas orelhas tremem e arqueiam as costas com muito mais intensidade para expor a região genital – todos sinais de intensa solicitação sexual, mais do que receptividade. O contrário acontece quando a privação de sono começa na fase não receptiva, correspondente à da tensão pré-menstrual (TPM) humana. Depois de repor o tempo de sono perdido, as fêmeas deixam bem clara sua aversão aos machos que as tentam seduzir. Elas soltam guinchos, erguem-se nas patas traseiras e atacam o pretendente com as dianteiras, como pequenas boxeadoras. Quando nas quatro patas, curvam as costas em U invertido. Depois de algumas tentativas, os machos não veem alternativa senão desistir (veja vídeos da experiência).

Tensão sexual - Análises dos níveis hormonais dessas ratas revelaram que, como nos machos, a falta de sono afeta os teores de progesterona, provocando consequências diferentes conforme a fase do ciclo. A fisiologista Janete Franci, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, estuda o efeito dos hormônios no sistema reprodutivo das ratas e mostrou que o estresse pode tanto desencadear a ovulação como inibi-la. Na fase pós-menstrual, período que costuma ter uma duração variável, os estrogênios e a progesterona aos poucos preparam o corpo para a ovulação. A equipe de Janete descobriu que um estresse súbito e de curta duração nessa fase pode provocar uma ovulação precoce. Isso explicaria os indícios já antigos de que mulheres que sofrem estupro têm uma probabilidade maior de engravidar do que as que têm relações sexuais voluntáriasPara simular a violência sexual, os pesquisadores usaram um bastão de vidro para delicadamente estimular o colo do útero das ratas. Como esse procedimento não se compara à agressão sexual sofrida por tantas mulheres mundo afora, eles conseguiram criar uma situação de medo ao colocar um gato à vista das roedoras durante o experimento. “Vimos um pico de progesterona maior que o normal ocorrer antes do esperado”, conta Janete. Como a descarga de progesterona que antecede a ovulação foi antecipada, a pesquisadora acredita que a liberação do óvulo também aconteça mais cedo. Janete explica essa antecipação: o estresse ativa a glândula adrenal, responsável por secretar a adrenalina, o principal hormônio que induz as reações de emergência e a liberação dos hormônios progesterona e testosterona. O pico de progesterona desencadeado pelo medo, por sua vez, aumenta a concentração do hormônio luteinizante (LH), que provoca a ovulação precoce.

Isso tudo só acontece na fase que corresponde à pós-menstrual, quando os estrogênios estão preparando o corpo para a ovulação. Fora dessa fase, Janete observou uma reação oposta nas mesmas condições experimentais: os níveis de LH chegam a cair em situações de estresse. “Precisamos agora estudar a viabilidade dos fetos gerados a partir de uma ovulação fora de hora”, alerta Janete. Não se sabem as consequências de fecundar um óvulo que ainda não estava completamente maduro.

Assim como um grande susto pode desencadear a cascata de hormônios reprodutivos em mulheres, o estresse crônico pode levar à infertilidade. Em ratas, o grupo da USP mostrou que o estresse continuado pode estar por trás da maior causa de infertilidade – a síndrome do ovário policístico, que atinge uma em cada 10 mulheres em idade reprodutiva. Não se sabe por que nessas mulheres o óvulo fica preso dentro do folículo ovariano, cujas paredes vão se espessando e acabam formando um cisto. O resultado é uma ovulação errática, que pode acontecer duas vezes a cada ano em momentos imprevisíveis e tornam uma gravidez bastante improvável. “Muitas dessas mulheres são ansiosas”, conta Janete – uma pista de que o estresse deve fazer parte da gênese do problema. “É comum que elas desistam de engravidar, adotem uma criança e, com a tensão eliminada, engravidem logo em seguida.”

Ratas expostas a longos períodos de estresse – três horas por dia dentro de uma geladeira a 4 graus Celsius durante oito semanas – desenvolveram a síndrome do ovário policístico, segundo artigo publicado pela equipe de Ribeirão em 2008 na Endocrinology. O grupo de Janete verificou um excesso de noradrenalina no ovário dessas ratas, principalmente depois de quatro semanas de estresse. Com mais quatro semanas é como se houvesse uma exaustão da capacidade de produzir dos hormônios, que se tornam menos abundantes. “Mostramos pela primeira vez que o estresse pode causar infertilidade”, conta a pesquisadora, que descreve como a síndrome se instala em mulheres: “Se na puberdade o teor de noradrenalina de uma menina é maior que o normal, isso poderia implantar a síndrome. Depois, mesmo que a quantidade de noradrenalina liberada diminua, não há mais como tratar”. O artigo publicado no ano passado, parte do trabalho de doutorado de Marcelo Bernuci, mostrou também o envolvimento de uma região do encéfalo chamada locus coeruleus no bombardeio de noradrenalina que ataca os ovários: quando seus neurônios (de cor azul) são lesionados, as ratas não desenvolvem ovários policísticos ao longo das oito semanas do experimento. Bernuci agora está testando o propanolol, um anti-hipertensivo usado na prevenção de infartos, para bloquear a ação da noradrenalina no ovário – algo que pode se tornar uma arma no combate à síndrome do ovário policístico.

No berço - Janete também verificou que os efeitos do estresse no sexo não se limitam aos jovens e aos adultos atarefados com obrigações e lazer. Acontecimentos traumáticos logo depois do nascimento podem afetar o desenvolvimento do cérebro e ter efeitos duradouros, como mostra o trabalho em colaboração com o fisiologista Aldo Lucion, do Laboratório de Neuroendocrinologia do Comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em ratas que sofreram repetidas separações da mãe quando recém-nascidas, diminuiu à metade o número de neurônios da região preóptica medial, uma área do cérebro envolvida no controle da ovulação, como mostra artigo deste ano na Brain Research.

Segundo Lucion, as separações eram breves e não causavam outros problemas a não ser a angústia do rompimento do laço materno. Nos primeiros 10 dias de vida dos ratinhos, os pesquisadores retiravam uma vez por dia todos os filhotes do ninho ao mesmo tempo, os seguravam na mão por cerca de um minuto antes de os devolver à mãe. Essa rápida separação já foi suficiente para reduzir não só o número, mas também o tamanho das células da região preóptica medial. E a alteração foi duradoura, conforme mostraram as análises do cérebro das ratas aos 11 dias, logo depois do experimento, e aos 90 dias de idade, o que corresponde nas mulheres a mais ou menos 30 anos.

A alteração no cérebro parece explicar as observações publicadas no ano passado na Neuroendocrinology: fêmeas manuseadas na infância mais tarde têm alterações importantes no comportamento sexual e na fisiologia reprodutiva. As diferenças foram marcantes quando, entre 90 e 110 dias de idade, as fêmeas em período receptivo foram apresentadas a machos. As que tinham sido separadas da mãe na infância produziram menos óvulos e se mostraram menos propensas a exibir o arqueamento do dorso que indica receptividade sexual.

O que parece acontecer é que, atrofiada pelas incertezas da infância, a região preóptica medial não consegue estimular a produção dos picos hormonais necessários à ovulação e ao comportamento sexual. Durante o período fértil, as fêmeas do experimento tinham um teor menor do que o esperado de noradrenalina e de óxido nítrico – além de estimular ereções, o óxido nítrico está envolvido na ovulação e na maturação dos óvulos. Como consequên­cia, os níveis de três hormônios sexuais – o estradiol (um tipo de estrogênio), o folículo estimulante (FSH) e o LH – estavam mais baixos do que deveriam, sem atingir os picos de concentração necessários para desencadear a ovulação e os comportamentos sexuais. O próximo passo é entender a parte molecular e bioquímica de como o estresse afeta o desenvolvimento do cérebro. “Estamos estudando os fatores de crescimento neuronal”, conta o fisiologista. Os resultados do grupo gaúcho ressaltam a importância da relação próxima e constante entre mãe e filhos. O mesmo vale para humanos, alerta o pesquisador da UFRGS: “A mãe pode estar presente, mas é a qualida­de da relação que importa para a criança.” Um estudo não publicado de seu grupo mostrou que filhos de mulheres com depressão pós-parto têm no sangue níveis aumentados de cortisol, um hormônio típico de estresse. “As mães com depressão pós-parto estão presentes, amamentam as crianças e cuidam delas, mas olham pouco para os filhos; o contato pelo olhar é muito importante”, conta Lucion. A reação de estresse dos bebês surpreendeu o pesquisador, acostumado à ideia de que esse mecanismo ainda não estaria formado em recém-nascidos, que não têm os sistemas nervoso e hormonal completamente desenvolvidos. “A mãe não precisa estar presente o tempo todo”, explica Lucion, “mas as crianças precisam de um cuidador estável com quem possam contar”. Em conjunto, os estudos de São Paulo e do Rio Grande do Sul deixam claro que as condições ambientais têm efeitos importantes na neurofisiologia do sexo. O estresse excessivo pode reduzir a fertilidade e o desejo sexual, o que cria problemas para quem quer ter filhos e prejudica um dos prazeres da vida. Entender melhor como isso funciona pode um dia indicar o caminho para terapias, mas desde já a prescrição clara para uma vida sexual plena é não abrir mão de boas noites de sono e evitar o estresse excessivo. Vale a pena, já dizia no século XVI o poeta francês Pierre de Ronsard: “Viver sem volúpia é viver sob a terra”.

nordeste

Mudança velozTransferência de renda e acesso à educação são pilares da queda da desnutrição infantil no NordesteFabrício MarquesEdição Impressa 166 - Dezembro 2009
© Miguel Boyayan

Desnutrição de crianças caiu de 22,2% para 5,9% no Nordeste
A desnutrição infantil no Nordeste pode desaparecer do mapa das mazelas brasileiras em menos de 10 anos caso o problema continue a diminuir com a velocidade observada nos últimos 10 anos. A conclusão é de um trabalho coor­denado por Carlos Augusto Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, e Ana Lucia Lovadino de Lima, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP e bolsista de pós-doutorado da FAPESP. O estudo, que deve ser publicado na edição de janeiro da Revista de Saúde Púlica, mostra que a prevalência da desnutrição foi reduzida em um terço entre 1986 e 1996, caindo de 33,9% para 22,2% das crianças nordestinas, e em quase três quartos de 1996 a 2006, despencando para 5,9%. “Essa velocidade é inédita. Nenhum outro estudo no mundo revelou uma queda da desnutrição tão grande nesse espaço de tempo”, diz Carlos Augusto Monteiro.

A queda da desnutrição no Brasil, em particular no Nordeste, já havia sido detectada em estudos anteriores do Nupens. O que o trabalho dos pesquisadores da USP trouxe como novidade foi a comparação dos fatores que levaram, nas últimas duas décadas, à redução nas taxas de retardo do crescimento infantil – os déficits de estatura são referências mais fidedignas para mensurar a desnutrição crônica até mesmo do que os déficits de peso. Essa análise só foi viável no Nordeste porque a região, que sistematicamente concentrava o problema da desnutrição infantil no país, dispunha de uma rica fonte de dados que permitia a comparação, no caso os inquéritos domiciliares de um programa internacional, a Pesquisa de Demografia e Saúde, feitos em 1986, 1996 e 2006.

O estudo foi além e buscou identificar as razões do declínio. Concluiu que fatores distintos derrubaram a desnutrição no Nordeste nos dois períodos. Enquanto entre 1986 e 1996 a melhoria na escolaridade materna e a disponibilidade de serviços de saneamento foram os fatores centrais, no segundo período o fenômeno está atrelado ao aumento do poder aquisitivo das famílias, impulsionado por programas de transferência de renda, como o bolsa-família ou o aumento do salário mínimo, e, novamente, a melhoria da escolaridade materna. “Para controlar o problema em 10 anos será preciso manter o aumento do poder aquisitivo dos mais pobres e assegurar investimentos públicos para completar a universalização do acesso a serviços essenciais de educação, saúde e saneamento”, diz Ana Lucia Lovadino.

Os resultados da pesquisa mostram que medidas como a transferência direta de renda tiveram um reflexo instantâneo e significativo na redução das taxas de desnutrição. Segundo Carlos Augusto Monteiro, a focalização de recursos produziu efeitos sensíveis na questão da desnutrição. “Parece pouco, mas com R$ 100 por família vitimada pela miséria extrema o panorama da desnutrição muda radicalmente”, afirma. O crescimento econômico registrado nessa década serviu de estímulo, mas, diz Monteiro, momentos da história do país em que houve um desenvolvimento econômico bem superior, como o caso do milagre brasileiro dos anos 1970, não foram acompanhados por quedas da desnutrição no Nordeste como agora. De acordo com ele, a melhora da taxa de desnutrição no país desatrelou-se da evolução do Produto Interno Bruto (PIB). “O PIB do país sugeriria uma prevalência de desnutrição maior que a observada. O México, por exemplo, que tem um PIB próximo do nosso, tem taxa de desnutrição de 13 a 14%”, afirma. Se tais evidências servem para avalizar a eficiência dos programas de renda mínima, há um outro dado que revela a importância de medidas de longo prazo na melhoria da qualidade de vida do Nordeste. A pesquisa sugere que uma causa importante da queda da desnutrição foi o aumento da escolaridade materna e a mudança dos “antecedentes reprodutivos” das mulheres, conceito que contempla fatores como a taxa de fecundidade, a idade da mãe e o intervalo entre o nascimento dos filhos. “Quanto mais filhos tem uma mulher, menos tempo tem para se dedicar a cada um deles, e a tendência é que dê prioridade para o mais novo, em prejuízo dos outros”, diz Monteiro. As mudanças de comportamento neste campo foram extraordinárias. A taxa de fecundidade no Nordeste, que era de 5,2 filhos por mulher em 1986, caiu para 3,1 em 1996 e 1,75 em 2006 – colocando-se ligeiramente abaixo até mesmo da média nacional, que é de 1,77 filho por mulher. “Essa mudança coincide com a universalização do acesso ao ensino fundamental que ocorreu nos anos 1990. Foi nessa década que as mães avaliadas na pesquisa de 2006 cursaram o ensino fundamental. Elas, ao contrário de gerações anteriores, tiveram menos filhos e conquistaram uma autonomia para cuidar delas próprias e das crianças”, afirma Monteiro.

Valor cultural - O pesquisador observa que essa tendência é um indicador de modernização da sociedade brasileira. “Significa que a maioria dos brasileiros adotou como padrão ter no máximo dois filhos. Trata-se de um valor cultural que se disseminou num país que é vasto, mas está interconectado. Se você for à África, à Índia e até a alguns países da América Latina, notará que eles pouco progrediram nisso e seguem tendo, em certos estratos, quatro ou cinco filhos por mulher. Por isso é tão impressionante que o Nordeste tenha se igualado, em 10 anos, à média brasileira”, diz.

O aperfeiçoamento dos serviços de saúde também é apontado como um fator decisivo, tanto pelo acesso das mulheres a informações fundamentais como pelo acompanhamento da saúde. Segundo Monteiro, o Programa de Saúde da Família, que leva agentes da saúde e médicos a regiões desassistidas, é a chave para compreender esse avanço. “Trata-se claramente de uma política compensatória, que busca acelerar o acesso à saúde de populações que demorariam muito a tê-lo”, afirma. Já outros indicadores melhoram num ritmo menos virtuoso. É o caso, por exemplo, das condições de saneamento. Entre 2001 e 2007, a proporção de domicílios no Nordeste conectados à rede de esgotos passou de 22% para 29,7%. No mesmo período, a cobertura da rede de água passou de 69,2% para 75,7%. “A melhoria das condições de saneamento não impediu que, em 2006, apenas um quarto das crianças da Região Nordeste residisse em domicílios servidos por redes públicas de abastecimento de água e coleta de esgoto”, afirmou Ana Lucia Lovadino. “Estudiosos das políticas sociais no Brasil têm chamado a atenção para a menor visibilidade e o menor atrativo político dos investimentos em saneamento básico e para a necessidade de priorizar este tema na agenda brasileira das políticas públicas”,