quarta-feira, 10 de junho de 2009

Seu filho é levado ou hiperativo?

RIO - Seu filho parece ter aquela pilha que não acaba: está sempre em movimento, deixa uma brincadeira e vai ver TV, volta para o brinquedo, fala pelos cotovelos e nunca tira aquela soneca reparadora depois do almoço. Agitado que só ele, acaba apontado por algum amigo seu ou parente como hiperativo. Confusa, você corre para o médico por que ouviu falar de um remédio que vai deixar seu filho calminho, calminho. Pára tudo. Existem crianças levadas, muito ativas e até agitadas. E as hiperativas. Não vá rotulando seu pequeno sem fazer uma avaliação cuidadosa do que ele é, na verdade. Pensando nisso, as psicólogas e psicanalistas Vera Lúcia Araújo e Margarete Bianchi estão lançando um livro destinado "aos pais, educadores e a quem interessar": "Conversando sobre hiperatividade com minha amiga Tartelete". Os personagens principais, o irrequieto Pedrinho e a tartaruga Tartelete, conversam sobre o comportamento do menino, sempre criticado. Pedrinho chega a se questionar se é "maluco". Mas conclui que deve respeitar o seu jeito tão próprio, não deixando que os outros decidam as coisas que lhe dizem respeito sem a sua opinião, além de tentar alcançar o equilíbrio e a felicidade, apoiado na compreensão e no amor dos pais.


- Começamos a pesquisar hiperatividade porque estávamos recebendo em nossos consultórios um número expressivo de crianças que vinham sendo medicadas por apresentarem dificuldades escolares e comportamento descrito como agitado e/ou desatento - conta Vera.

No livro, as autoras observam que "é preciso ouvir e conversar com nossas crianças para saber o que lhes aflige e o que elas esperam, para que possamos ajudá-las a serem mais felizes". Segundo Margarete, muitos pais gostariam que seus filhos pequenos já percebessem coisas que a idade deles ainda não comporta:

- Acredito que a falta de tempo que nos assola hoje em dia, além das exigências de cada um, se somam e geram muitas expectativas sobre as crianças. Parece que as pessoas não podem mais esperar que a criança perceba as coisas no seu próprio tempo.

No ano que vem, uma nova obra da dupla estará nas livrarias. A simpática e sábia tartaruga vai visitar os primos de Pedrinho: um sofre de anorexia e o outro, de obesidade.

- Já estamos com o texto pronto, só faltam as ilustrações. Agora, vamos abordar a alimentação, depois a Tartalete continuará suas incursões, em outros temas. Vai ser uma série - adianta Vera.



Por volta de que idade é possível suspeitar que a criança é hiperativa?

Vera Lúcia Araújo -Desde que se perceba que seu comportamento ou reações estejam muito diferentes do esperado para crianças na mesma etapa de desenvolvimento.

Que comportamentos levam a essa suspeita?

Dificuldade para realizar uma tarefa ou atividades, agitação em excesso, problemas de convivência com as outras crianças como causa de seus excessos.

No início da idade escolar a hiperatividade fica mais evidente?

Sem dúvida, fica mais evidente com a rotina e as exigências escolares.

Hiperatividade e Transtorno de Déficit de Atenção são a mesma coisa?

O TDA/H pode ser um transtorno de atenção do tipo hiperativo e/ou desatento. Como o hiperativo incomoda muito mais do que uma criança quieta e desatenta, eles chamam mais atenção de quem convive com eles.

Se uma criança apresentar por seis, oito meses seguidos características como falar sem parar, ser excessivamente inquieta, não conseguir se concentrar nas atividades, não esperar sua vez, ela pode ser considerada hiperativa?

É preciso avaliar o que está acontecendo na vida dessa criança. Muitas situações familiares e escolares podem levar a um quadro semelhante.



A criança que apresenta humor oscilante e instabilidade emocional pode estar deprimida ou apenas temporariamente triste?


Certamente, como eu disse. Ela deve ser avaliada.

Quais os comportamentos mais comuns de uma criança levada?

Depende da criança, afinal elas são bastante criativas e imprevisíveis!

Como os pais devem se comportar diante da criança levada? Dar bronca, explicar mil vezes a mesma coisa, esperar que ela cresça e entenda que não deve fazer ou outras atitudes?

A conversa é sempre o caminho. Os pais não podem esquecer que precisam ter seu ´projeto pedagógico`, ou seja, estar atentos aos valores e à educação que querem passar aos seus filhos. Isso se dá em cada gesto, conversa, bronca, exemplo e tudo mais que acontece diariamente.

Como os pais devem se comportar diante da criança hiperativa? Levá-la logo ao terapeuta? Quanto tempo deve esperar para ver se há alguma modificação no comportamento dela?

Observar o grau de sofrimento da criança e de seus familiares para lidar com a situação e procurar ajuda.

Em que casos os remédios são a solução para as crianças hiperativas? Há outras possibilidades de tratamento?

A medicação é prescrita por um psiquiatra infantil. É importante observar que medicação não é uma solução mágica, como muitos pais gostariam. Por isso, o acompanhamento terapêutico é fundamental, que a criança e seus familiares possam ter um espaço para trabalhar a situação.

Qual o grau de importância de os pais não rotularem ou humilharem as crianças falando sobre seu comportamento muito ativo na frente dos outros?

Os pais precisam estar atentos que representam um papel fundamental na formação afetiva e na auto-imagem de seus filhos, ou seja, na construção da identidade. Portanto, o que se fala e se faz tem um peso enorme nesse processo.

A prática de atividade física pode ajudar nos casos das crianças muito ativas?

Atividade física regular e moderada é sempre indicada, contanto que a criança goste.



Manter uma rotina e regras em casa ajuda as crianças a ficarem menos levadas?


Rotina e limites são importantíssimos, sempre administrados de forma clara e com bom senso.

Evitar o excesso de atividades extra-escola (judô, balé, natação etc) deixa a criança menos agitada?

Como eu disse antes, é preciso bom senso. Criança também precisa relaxar e de descanso.

Como escolher escola para uma criança levada e para uma hiperativa?

A escolha deve ser cuidadosa, sempre conhecendo o projeto pedagógico, não apenas as instalações; procurando referências do trabalho, do corpo docente e do processo de avaliação realizado.

O que os pais podem fazer, efetivamente, para deixarem a criança menos agitada?

Nunca esquecerem de que estão diante de uma criança, ou seja, de uma pessoa em formação, que, portanto, precisa de atenção, cuidados, limites e sempre de muito amor!

Ter filho

Para definir a taxa de fecundidade "ideal", que aponta para a estabilização do crescimento populacional de um país, demógrafos partiram de um pressuposto simples: o de que crianças são geradas por duas pessoas que, um dia, irão morrer e deverão, portanto, ser substituídas por outras duas. A chamada "taxa de reposição" é, por esse motivo, de 2,1 filhos por mulher. O Brasil já teve uma média quase três vezes superior a essa. Hoje, as famílias têm, em média, 2,3 crianças – índice bem próximo do necessário para o equilíbrio populacional. Estaria tudo muito bem não fosse o fato de que essa aparente normalidade escamoteia uma realidade preocupante: a de que persistem no mapa brasileiro regiões onde as mulheres têm um bebê por ano e chegam ao fim de sua vida fértil com mais de vinte filhos, reproduzindo um quadro semelhante ao exibido por países tão miseráveis quanto Somália e Uganda, na África. Mais grave que isso: diferentemente do que ocorria até pouco tempo atrás, esses bolsões de descontrole populacional não se situam apenas em rincões, mas nos grandes centros urbanos também – as favelas se tornaram ilhas de explosão demográfica dentro das metrópoles.

Um dado extraído do Censo do IBGE indica que, na última década, a população de favelas aumentou num ritmo quase três vezes superior à média brasileira. As maiores expansões ocorreram nas cidades de São Paulo, Belém e Rio de Janeiro. Nesta última, enquanto a população cresceu a uma taxa de 0,74% ao ano na década passada, o número de habitantes de favelas aumentou a um ritmo de 2,4%, segundo pesquisa feita pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, em conjunto com o Instituto Pereira Passos. Ao decomporem os fatores responsáveis pelo crescimento populacional nesses bolsões, os pesquisadores concluíram que a razão principal (com peso de 35%) foi o aumento da fecundidade, seguido pela imigração (com peso de 17%). Há outros elementos que, isoladamente, tiveram influência menor, como o aumento da expectativa de vida e a chegada de pessoas empobrecidas da própria cidade. Uma projeção feita pela Fundação Getúlio Vargas indica que a população favelada brasileira irá mais do que dobrar nos próximos dez anos: poderá chegar a 13,5 milhões de pessoas caso o ritmo de crescimento populacional nessas áreas permaneça estável.


As favelas encravadas em centros urbanos não compartilham o isolamento dos minúsculos municípios rurais, mas se assemelham a eles em outro aspecto: os baixos índices de educação formal. Segundo pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, os habitantes das favelas do Rio de Janeiro, as mais populosas do Brasil, estudam, em média, 4,5 anos – pouco mais da metade do tempo que permanece na escola a média dos moradores da cidade. Além da pouca escolaridade, há outras razões que explicam as altas taxas de fecundidade nesses locais. Em meados da década de 80, técnicos do Banco Mundial desembarcaram na favela da Rocinha, a maior do Rio, com o objetivo de desenvolver um programa de planejamento familiar. Os resultados foram insatisfatórios. Ao retornarem ao local para entender os motivos do fracasso da iniciativa, concluíram que ele se deveu, em grande parte, ao peso que certos aspectos culturais tinham sobre a gravidez. As mulheres declaravam que tinham filhos porque com isso ganhavam "status e respeito" na vizinhança, além de conquistar "independência dos pais". Já os homens diziam que se sentiam "mais viris" com a paternidade.

Há muito se sabe que é um equívoco creditar ao simples aumento da fecundidade o crescimento da pobreza e da desigualdade. Fosse assim, o contrário também deveria ser verdadeiro: o fato de o Brasil ter atingido uma média geral de nascimentos quase idêntica à dos Estados Unidos (2,0 filhos por mulher) levaria por si só a que, num futuro próximo, sua economia se tornasse tão reluzente quanto a de um país desenvolvido. Os números comprovam, porém, que existe um vínculo estreito entre o crescimento populacional e o desenvolvimento de uma economia. As mais pobres regiões brasileiras são as que têm as mais altas taxas de fecundidade. Nas mais ricas, é o oposto. A cidade com o menor índice de fecundidade do Brasil, São Caetano do Sul (SP), é a que apresenta a segunda maior renda per capita do país. O mesmo ocorre no âmbito das famílias: em lares onde a renda per capita não supera um quarto de salário mínimo, há em média cinco filhos, segundo o IBGE. Quando essa renda ultrapassa cinco salários mínimos, predomina o filho único. O alto número de filhos seria a razão da pobreza ou sua conseqüência? As duas coisas, respondem especialistas. Com muitos filhos, uma família com renda já escassa fica com o orçamento ainda mais espremido. As crianças são forçadas a largar os estudos para trabalhar e, assim, diminuem suas chances de superar a condição de pobreza. Sabe-se também que mulheres que não tiveram acesso ao estudo têm até três vezes mais filhos do que as que cursaram a universidade. "As altas taxas de fecundidade funcionam como uma espécie de combustível que faz girar um ciclo perverso de miséria", observa o economista Marcelo Neri, da FGV.

Carlos Goldgrub

Espanha: muitos idosos, poucos bebês


O processo de urbanização foi um dos fatores que contribuíram para refrear o aumento populacional no Brasil. Ao trocarem o campo pela cidade, as pessoas passaram a ter acesso a serviços públicos como saúde e educação. A universalização da previdência também influenciou na redução dos nascimentos, sobretudo porque fez arrefecer a crença, até hoje persistente em áreas rurais, de que a única fonte de renda na velhice viria do trabalho dos filhos – o benefício fez diminuir o temor dos brasileiros de chegar à velhice sem nenhum tostão. Um estudo feito na década de 70 chegou à curiosa conclusão de que as telenovelas foram outro fator a ajudar no encolhimento dos lares. "Como a maioria delas exibia famílias de dois filhos, o padrão acabou influenciando os casais", diz a demógrafa Elza Berquó, do Núcleo de Estudos da População da Unicamp, que participou da pesquisa na época.

A história das políticas de planejamento familiar é cheia de idas e vindas. Embora a distribuição de preservativos pelos hospitais públicos tenha começado nos anos 70, foi só a partir de 1996, por força de lei, que camisinhas e anticoncepcionais começaram a chegar sistematicamente às regiões mais pobres e distantes das grandes cidades. Agora, o governo federal está preparando um pacote de medidas, a ser anunciado ainda neste mês, que promete aumentar a opção de anticoncepcionais ofertados pelo Estado e dobrar o número de hospitais públicos que fazem esterilizações, hoje disponíveis em menos de 10% dos municípios brasileiros. A interferência governamental exige precisão cirúrgica para que não cause danos difíceis de reverter. O Brasil já exibe uma queda consistente nas taxas de crescimento populacional. Uma ação generalizada poderia acelerar perigosamente essa tendência. Demógrafos afirmam que é muito mais fácil diminuir a taxa de fecundidade do que aumentá-la.

Há anos a Europa assiste à diminuição de sua população. A situação é particularmente grave em países como Itália, Espanha, Alemanha e Suíça, todos com crescimento populacional próximo de zero. Diante da perspectiva de diminuir, esses países passaram a implantar programas de estímulo à natalidade, que incluem de abatimento no imposto de renda a licença remunerada de até um ano para os candidatos a pais. Na Itália, que junto com a Espanha tem a menor taxa de natalidade da Europa (1,2 filho por casal), o problema ganhou proporções tão dramáticas que a Igreja resolveu interferir: "Italianos, façam filhos", foi o slogan da campanha lançada há dois anos. Nem o incentivo da Igreja Católica nem as benesses oferecidas pelo governo estão dando resultados. Projeções indicam que tanto a Itália quanto a Suíça estão prestes a ter crescimento populacional negativo. Ou seja, encolherão de fato. Assim como a Alemanha, a Itália já afrouxou as exigências para a entrada de imigrantes dispostos a trabalhar – a única maneira de manter a economia funcionando nos níveis atuais.

No Brasil, embora o crescimento populacional continue caindo, as regiões pobres e, sobretudo, as favelas vêem agravar-se fenômenos que apontam na direção contrária, como o aumento da gravidez na adolescência, por exemplo. O último censo mostrou que mulheres de baixa renda estão tendo filhos cada vez mais cedo. Nos últimos dez anos, aumentou em 42% o número de mães pobres na faixa de 15 a 19 anos. "A ação do governo tem de ser precisa e baseada em estudos que ataquem problemas localizados como esse", diz o demógrafo Paulo Murad Saad, da Divisão de Populações da Organização das Nações Unidas. Ou seja, regiões com diferentes níveis de instrução e riqueza têm de ser alvo de políticas específicas.

"Muitos filhos ajuda no trabalho"


Edimar Farias/Imapress

Mercedes (em pé), com doze dos dezessete filhos

O município de Bagre, a catorze horas de barco de Belém, no Pará, orgulha-se de ser a terceira cidade brasileira com a maior média de nascimento de filhos por mulher (7,3), perdendo apenas para Tartarugalzinho e Pracuuba, ambas no Amapá. Segundo o IBGE, 39% das 2 521 mães do município têm mais de seis filhos. Há três anos, a prefeitura organizou um concurso para eleger a dona da maior prole da cidade. As finalistas foram uma mulher de 45 anos e outra de 38, cada uma com 22 filhos. O atual prefeito de Bagre, Pedro Santa Maria, tem explicação singela para a excepcional fertilidade da cidade: "Menos de 30% das residências daqui têm televisão", diz. "Isso faz do sexo umas das principais opções de lazer da nossa população." Há, sem dúvida, outras razões.

Bagre tem renda per capita anual de 20 dólares (a média nacional é de 2 800 dólares) e metade da população ganha menos de 25% do salário mínimo. Mais de um terço dos seus 8 792 habitantes em idade escolar nunca entrou numa sala de aula e outros 40% não estudaram mais que três anos. À miséria e à baixa escolaridade soma-se o fato de que só recentemente a cidade ouviu falar em planejamento familiar. "O governo começou a distribuir pílulas e preservativos apenas em 2001", diz o secretário de Saúde municipal, Carmelino Nunes. A iniciativa, ao que parece, deu poucos resultados até agora. Apenas 32 casais, 25 homens solteiros e 29 mulheres vão ao posto de saúde regularmente retirar preservativos e só 39 mulheres comparecem ao local em busca de pílulas. "É quase nada, mas é muito quando se sabe que estamos em um lugar em que os homens não admitem usar camisinha e, muitas vezes, proíbem às mulheres que se consultem com ginecologistas", afirma o secretário Nunes.

Como ocorre em boa parte das regiões mais pobres do Brasil, com economia baseada no extrativismo e na agricultura familiar, muitos casais desejam famílias grandes baseados na crença de que cada filho é um par de braços a mais para trabalhar na lavoura. "O bom de ter muitos filhos é ter mais gente para ajudar no trabalho quando precisa", diz Mercedes dos Santos, 41 anos, dezessete filhos e uma única fonte de renda fixa: os 95 reais do programa do governo federal Bolsa Família.

Leonardo Coutinho, de Bagre