quarta-feira, 8 de julho de 2009

Saida por Bs.As

Bares de Buenos Aires

O que leva tanta gente a passar o tempo nos cafés de Buenos Aires?
O café é uma instituição portenha por excelência. É o lugar para sonhar com os amigos, para dar soluções mágicas aos problemas do país. É aqui, melhor que em qualquer outro recanto, onde pensamos que as utopias são possíveis. É um lugar convocante e aconchegante... quantos casais não se conheceram em um café? Quantos não deram o primeiro beijo em um café?
Como contrapartida, algumas despedidas e separações também se produzem entre suas paredes. Os cafés são como a vida, luz e sombra, alegria e tristeza, mas sempre com a presença próxima de um amigo. Jorge Luís Borges disse: "Creio que uma das funções da cidade é dar o diálogo...", e os cafés são talvez os que melhor respondem a essa sentença . O café, poderíamos dizer, é ele o templo da amizade. Daí sua permanência e sua busca.”


O que faz aos cafés de Buenos Aires patrimônio cultural?
Os cafés costumam ser verdadeiros referenciais dos bairros, formam parte dos usos e costumes do povo portenho, são parte essencial de sua historia cotidiana, são parte ineludível da paisagem urbana, da poesia e da literatura. Muitos escritores precisam do café para poder realizar seu labor. Com sua presença e permanência favorecem situações entranháveis . O edifício transforma-se em recipiente de circunstancias. O patrimônio cultural tangível e intangível está aqui , presente desde sempre e todos os dias.


O que os diferencia de cafés de outras cidades do mundo?
Em geral, em outras cidades se vai a um café para tomar algo, reunir-se por trabalho, ou por um breve encontro.
É que o café portenho é herdeiro do madrilense e do parisiense. Vai-se tomar um café, um aperitivo ou qualquer trago mas , ademais, também se vai ler o jornal sem nenhum apuro, ou um livro, estudar, ou escutar música ao vivo, e evidente, em muitos deles jogar bilhar.


A partir de que características foram selecionados os bares notáveis?
De acordo ao disposto pela Lei 35 do ano de 1998 foi criada a Comissão de Proteção e Promoção dos Cafés, Bares, Bilhares e Confeitarias Notáveis da Cidade de Buenos Aires. Aos efeitos da lei, para ser notável um café deve contar com alguma das seguintes características: antiguidade e permanência; arquitetura de interesse; que dentro de seu âmbito hajam ocorrido situações de valor cultural; concorrência de personagens destacadas, ou que de por si seja um verdadeiro referencial no bairro ou na zona. Assim foram selecionados os primeiros 39 notáveis, aos que agora foram agregados mais 20.
A seleção é muito ampla, abrange desde cafés clássicos e prestigiosos a nível internacional como o “Tortoni”, até alguns típicos de bairro como o “12 de Octubre”, extremando com a “Praça Almagro”, o “El Progreso”, em Montes de Oca esquina California, no bairro de Barracas.


Qual é o café mais antigo da cidade?
Os cafés portenhos começaram suas atividades na época colonial. Em sua maioria se encontravam situados nos arredores da “Plaza Mayor”, hoje “Plaza de Mayo”. Dentre outros recordamos ao “Café de la Comedia”, ao “De los Catalanes” e ao “De Marco”, rincão de reunião de Mariano Moreno, Manuel Belgrano, Juan José Castelli e Bernardo de Monteagudo nas vésperas da Revolução de Maio de 1810.
O café mais antigo dos que estão em atividades é o “Tortoni”, que foi fundado em 1858, na esquina de Esmeralda e Rivadavia. Em 1880 foi trasladado para Rivadavia, Nº 1826, até que com a abertura da “Avenida de Mayo”, em 1894, ganhou sua fachada principal no número 825/29.


A função dos cafés na cidade mudou com o tempo?
A cidade é uma célula em permanente transformação. Deve-se ter um equilibrado sentido de madureza cívica e intelectual para resgatar aqueles bens culturais: edifícios, espaços verdes, obras de arte, etc., que formam parte de nossa memória coletiva e de nosso patrimônio. Os cafés não são alheios às mudanças dos tempos. Faz ao redor de 25 anos, todos os da Avenida Corrientes se modernizaram, unificaram seus estilos e se encheram de plantas, em alguns casos de maneira absurda. Assim perderam o sabor pessoal que diferenciava a cada um deles dos outros, salvo exceções como o “La Giralda” e o “El Gato Negro”. Atualmente se está buscando a maior autenticidade, quer dizer, está se tentando voltar às situações originais. A função essencial dos cafés segue sendo a mesma, com as evidentes mudanças surgidas das atuais modas e da tecnologia. De todas as maneiras "sabichones e suicidas" que apregoam o tango seguem estando, obviamente sem “chambergo” e “lengue” (chapéus), mas estão.


Hoje os portenhos passam nos cafés mais ou menos tempos que antes?
Depende do tipo de café, sua localização e das idades dos freqüentadores. Os cafés con mesas de bilhar estão mais ou menos como sempre (36 Bilhares, Richmond, etc). Os cafés de bairro como o Café de García, Margot, El Banderín, etc.... tem seus “habitués” cotidianos. Muitos dos do Centro estão sempre cheios ou quase, o London City, o La Giralda, oTortoni, etc... No que se evidencia merma nos tempos atuais são nas tertúlias literárias que eram realizadas em numerosos cafés, ainda que sempre há exceções que confirmam a regra, o “Bar de Cão”, o “Margot”, o “Tuñón”, etc).


Qual é seu café favorito?
Seria injusto se mencionasse um só. Eu gostaria de tomar café bem cedo no Tortoni, rodeado de quadros e história; durante a tarde tomar um café de pé no “Le Caravelle” de Lavalle quase Maipú; encontrar-me com minha mulher no “El Gato Negro”, enquanto nos envolve a fragrância da canela recém moída; comer um sanduíche no “El Progreso”, e se sua dona, a Sra. Licinia, anima-se, escutá-la cantar alguma bela canção asturiana. Alguma quinta, sexta ou sábado à noite gostaria de compartilhar com amigos o faustuoso tira-gosto do Café de García, e em qualquer momento dar uma passada pelo “La Buena Medida” em Suárez esq. Caboto, defronte à “Plaza Solís” onde foi fundado o glorioso “Boca Juniors”; comer um sanduíche de “peru em escabeche” no “Margot” enquanto conversamos com o poeta “Rubén Derlis” ou o pintor Juan Manuel Sánchez e como final tomar um café com leite e “medialunas” (croisants) no Carlitos, de Carlos Calvo esquina Saavedra.





Como distinguir um bar notável em cinco minutos?

A gente se senta em uma mesa, pede algo e aos cinco minutos já se está em condições de saber se o café é notável ou não. Entramos ao café. Escolhe-se a mesa. Nos sentamos. Com uma caminhada visual mais ou menos rápida temos uma idéia bastante precisa do espaço arquitetônico e de suas qualidades, incluso seu equipamento, mobiliário e elementos ornamentais ou documentais : poemas pinturas, fotos ou dedicatórias, em muitos casos deixados por clientes e/ou amigos. A atenção por parte do garçom contribui a favor ou em contra. A qualidade da consumição fecha o círculo. Em poucos minutos mais, havendo prestado atenção aos sons e ruídos, e após observar o movimento, as rotinas e as condutas dos freqüentadores, pode-se intuir o caráter pessoal do café, e estamos em condições de dar o veredicto de notabilidade com muita escassa margem de erro.

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